6 de julho de 2008

Hablas Portuñol?

Por GUSTAVO FALABELLA ROCHA
O último dia do Fórum de Teatro Latino-Americano, ciclo de debates sobre o teatro produzido no continente, retomou questões centrais nas relações entre os países do bloco. A mesa, sob mediação da professora Sara Rojo da Faculdade de Letras da UFMG, contava com Guilherme Reis, Núcleo de Festivais Internacionais do Brasil; Juan Martin, Revista Teatralidade (Venezuela); Omar Valiño, Revista Tablas (Cuba) e Iara Pietricovsky (Brasília). Parece não ser segredo que o Brasil está muito distante dos seus vizinhos. E a recíproca para ser verdadeira também. Alguns fatores culturais como a língua e a colonização ter se dado por países diferentes são apontados como raízes desse problema. "É mais fácil trazer grupos da Alemanha ou da França do que trazer grupos do Peru ou da Bolívia", exemplifica Guilherme Reis.
Tal dificuldade se dá pela falta de recursos e apoios. Instrumentos como as Leis de Incentivo à Cultura e Fundos geridos pelo Estado para produção e fomento cultural são realidades não conhecidas por grupos de nossos países vizinhos. Portanto, esse quase uníssono consenso de que não se faz teatro sem fomento direto que há por aqui é posto por terra quando se compara a realidade brasileira com a dos países da América Latina. Ou seja, em termos de profissionalização do teatro, o Brasil se encontra um pouco a frente dos demais países, mas as dificuldades para se fazer teatro ainda se parecem bastante, mesmo com instrumentos de fomento.
"O Brasil está para a América Latina, assim como os EUA estão para o Mundo", alguém pega o microfone e resume a grosso modo os acordos econômicos feitos no continente. O Brasil explora da melhor maneira possível a proximidade com os países latino e aplica a lógica de mercado para fazer os acordos. Mas como a pauta é o teatro, é preciso pensar em ações conjuntas: o Núcleo de Festivais Internacionais parece ser um caminho para baratear os custos da vinda de grupos estrangeiros. Formado por Filo (Festival de Londrina), Porto Alegre em Cena, Brasília Cena Contemporânea, FIT de São José do Rio Preto (SP), Rio Cena Contemporânea e FIT BH.
Muitos pessoas pegam o microfone para lembrar que é ótimo haver um ciclo de debates com pessoas de tantos países, mas que é fundamental fazer com que a relação extrapole os encontros formais ocasionados por Festivais na América Latina afora.
E por fim, uma sugestão curiosa, a implementação do Portuñol como língua oficial do continente. Esse blogueiro, depois de muitos dias tendo contato com quase todos os grupos da América Latina, disponibiliza um breve glossário com sugestões de verbetes para o nova língua.
1 - Pessoja: pessoa ou persona;
2 - Hoje: puxando o "j" como se fosse "r";
3 - Tuedo: Tudo;
4 - Hermones: irmãos ou hermanos;
5 - Fijo: filho ou ijo;
6 - Facer: fazer ou hacer;
7 - Enton: então ou entonces;
8 - Uetro: outro ou otro;
9 - Rua: calle

2 de julho de 2008

Feito na América Latina

Por GUSTAVO FALABELLA ROCHA
A cada nova entrevista coletiva do Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte, alguns pontos comuns ao pensamento e a produção do Teatro latino-americano parecem se confirmar. A bola da vez, o peruano Miguel Rubio Zapata, fala sobre um panorama que soa familiar às realidades vividas por grupos da Bolívia, Colômbia, Equador e Brasil. O que parecia ser mera coincidência geográfica, a Mostra de Teatro Latino-Americano, delineia aspectos inerentes a nosso fazer teatral. A falta de apoio efetivo de governantes através de políticas de Estado, desigualdades sociais transformadas em temáticas e em linguagem, parecem ser os pontos centrais que unem trabalhos de tantos lugares.
O diretor do espetáculo "Feito no Peru: Vitrines para um Museu da Memória" diz que o Peru vive um Boom teatral. Casas cheias e muitos produções no país. No entanto, Zapata garante seu grupo, Yuyachkani, como um grupo à margem. Com 34 anos de estrada, o não estabelecido é o que mais intriga o diretor. Buscas de técnicas e requintes estéticos não movem o trabalho do grupo. Longe do virtuosismo artístico, as temáticas são sempre o primeiro movimento no trabalho dos peruanos. "Contar uma boa história não garante um bom espetáculo", provoca Zapata. O diretor contesta a acepção do espectador enquanto consumidor de cultura. O que se busca é uma relação de interlocução entre quem está no palco e quem está na platéia. "Feito no Peru (...)" é uma leitura da realidade peruana feita pelo Yuyachkani. "O Peru é um país de tradições da cultura popular e o conhecimento foi passado através da oralidade. Além disso, temos o desenvolvimente tecnológico. Dessa forma, computadores convivem com a cultura ancestral", garante o diretor. Tido como instalação cênica, tratam-se de vitrines com cenas concomitantes. O espectador escolhe qual caminho percorrer.
Zapata parece incomodado com o papel que o teatro desempenha na atualidade. O diretor diz que a herança das telenovelas malogra a produção no Peru (alguma semelhança com Brasil?): "As pessoas querem ver se aquelas 'instituições televisivas' são realmente de carne e osso", ressalta. A dificuldade de se atrair público é explicada porque as pessoas realmente não sentem necessidade do teatro. Isso vale tanto para o público quanto para o artista. A questão elementar que tem movido o trabalho do grupo é: Representação x Apresentação. Por que os artistas falam de vidas que não a deles mesmos? "Atualmente, o que nos interessa é o teatro documental. Dar os instrumentos para que as pessoas comuns possam se comunicar através do teatro", ressalta o diretor.

1 de julho de 2008

Diversão com Reflexão

Por GUSTAVO FALABELLA ROCHA
Em abril de 1998, ocorreu um forte terremoto que abalou e vitimizou diversas famílias de pequenos povoados na Bolívia. "Em um Sol Amarelo, Memórias de um Terremoto", espetáculo do Teatro de los Andes explora as consequências desse episódio. "Um terremoto dura vinte minutos, mas os efeitos dele podem durar por toda a vida", analisa a gaúcha Alice Guimarães, que trabalha com o grupo há dez anos. No caso específico desse terremoto, as marcas deverão permanecer. Quase todo o dinheiro angariado foi saqueado. Até muletas e cobertores não chegaram às pessoas que realmente precisavam. "Em alguns povoados, as pessoas viviam com o básico e perderam tudo. Ou seja passaram da pobreza para a miséria", reforça Alice.

Nos quatro meses de processo de criação, o grupo visitou os povoados atingidos - principalmente Aiquile - e colheu depoimentos. O trabalho do de los Andes é marcado por uma intensa troca com as pessoas que o cercam. "Abrimos sempre os nossos processos ainda inacabados para nossa cozinheira, a moça da limpeza etc", comenta Alice. O grupo, que esteve presente na primeira edição do Festival (1994) e também na oitava (2006), tem sede em Yotala, povoado próximo a antiga capital Sucre. Todos os trabalhos do grupo partem de uma vontade preemente de falar sobre algum assunto. "Sobre o que queremos falar, primeiro; depois a forma", explica Alice. Questionado se o espetáculo não se passa por arte panfletária, vista com preconceito na cena teatral de uns tempos para cá, o produtor do grupo, desde sua fundação, Gianpaolo Nalli decreta: "Fazemos teatro. Nós não queremos dar soluções no palco. Estamos fazendo perguntas para as quais não temos resposta."
Nalli comenta um episódio, acontecido em Sucre, cidade histórica que marca o "grito" de independência boliviano, para exemplificar a situação de tensão na Bolívia. Segundo ele, Evo Morales, primeiro presidente boliviano de origem indígena, era esperado por conta da celebração do dia da indepedência (24/05). Só que existe uma mágoa antiga por conta da transferência da capital de Sucre para La Paz e com a nova Constituição, voltaram os rumores da volta da capital para Sucre. Os campesinos foram a praça para receber Evo e foram barrados e humilhados por opositores de Morales. Nalli explica que a nova constituição beneficia diretamente a população indígena boliviana e que isso interfere diretamente nos interesses da parcela mais rica da população. "Os tais conflitos étnicos não são verdadeiros. Tudo passa pelo interesse econômico", comenta Nalli.
Em meio a tanta agitação política e ideologias tão marcantes, o Teatro de los Andes garante boa diversão a seu público. "É tão difícil trazer o público ao teatro, não podemos aborrecer as pessoas. Encontramos uma maneira artística de se fazer política", garante Nalli. Alice Guimarães ressalta: "é tão absurdo que se torna cômico".
 
by Sense8