1 de julho de 2008

Diversão com Reflexão

Por GUSTAVO FALABELLA ROCHA
Em abril de 1998, ocorreu um forte terremoto que abalou e vitimizou diversas famílias de pequenos povoados na Bolívia. "Em um Sol Amarelo, Memórias de um Terremoto", espetáculo do Teatro de los Andes explora as consequências desse episódio. "Um terremoto dura vinte minutos, mas os efeitos dele podem durar por toda a vida", analisa a gaúcha Alice Guimarães, que trabalha com o grupo há dez anos. No caso específico desse terremoto, as marcas deverão permanecer. Quase todo o dinheiro angariado foi saqueado. Até muletas e cobertores não chegaram às pessoas que realmente precisavam. "Em alguns povoados, as pessoas viviam com o básico e perderam tudo. Ou seja passaram da pobreza para a miséria", reforça Alice.

Nos quatro meses de processo de criação, o grupo visitou os povoados atingidos - principalmente Aiquile - e colheu depoimentos. O trabalho do de los Andes é marcado por uma intensa troca com as pessoas que o cercam. "Abrimos sempre os nossos processos ainda inacabados para nossa cozinheira, a moça da limpeza etc", comenta Alice. O grupo, que esteve presente na primeira edição do Festival (1994) e também na oitava (2006), tem sede em Yotala, povoado próximo a antiga capital Sucre. Todos os trabalhos do grupo partem de uma vontade preemente de falar sobre algum assunto. "Sobre o que queremos falar, primeiro; depois a forma", explica Alice. Questionado se o espetáculo não se passa por arte panfletária, vista com preconceito na cena teatral de uns tempos para cá, o produtor do grupo, desde sua fundação, Gianpaolo Nalli decreta: "Fazemos teatro. Nós não queremos dar soluções no palco. Estamos fazendo perguntas para as quais não temos resposta."
Nalli comenta um episódio, acontecido em Sucre, cidade histórica que marca o "grito" de independência boliviano, para exemplificar a situação de tensão na Bolívia. Segundo ele, Evo Morales, primeiro presidente boliviano de origem indígena, era esperado por conta da celebração do dia da indepedência (24/05). Só que existe uma mágoa antiga por conta da transferência da capital de Sucre para La Paz e com a nova Constituição, voltaram os rumores da volta da capital para Sucre. Os campesinos foram a praça para receber Evo e foram barrados e humilhados por opositores de Morales. Nalli explica que a nova constituição beneficia diretamente a população indígena boliviana e que isso interfere diretamente nos interesses da parcela mais rica da população. "Os tais conflitos étnicos não são verdadeiros. Tudo passa pelo interesse econômico", comenta Nalli.
Em meio a tanta agitação política e ideologias tão marcantes, o Teatro de los Andes garante boa diversão a seu público. "É tão difícil trazer o público ao teatro, não podemos aborrecer as pessoas. Encontramos uma maneira artística de se fazer política", garante Nalli. Alice Guimarães ressalta: "é tão absurdo que se torna cômico".

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by Sense8