26 de junho de 2008

Encontro de Mães

Por GUSTAVO FALABELLA ROCHA*
De um lado Ana Fierling, mercante que atravessa a guerra dos trinta anos na Europa; do outro, Ana Felinto, brasileira, que atravessa com suas mercadorias o muro construído entre o asfalto e o morro, separando esses dois lados. Ambas estarão em cartaz no primeiro final de semana do FIT BH, que começa hoje. Partindo do texto "Mãe Coragem e seus filhos", clássico do dramaturgo alemão Bertold Brecht, o grupo Armazém (RJ) e a ZAP 18 (BH) apresentam suas leituras da obra dentro do Festival. A versão dos cariocas traz uma nova tradução do texto, que segundo o diretor Paulo de Moraes, garante mais secura, sem excessos. Já a versão da ZAP 18 espelha a realidade vivida por Ana Fierling para um futuro próximo e localiza a história dessa mulher em uma periferia brasileira.
Ambas se utilizam da música como elemento narrativo, característica marcante do teatro idealizado por Brecht. No entanto, trata-se de novidade para o grupo Armazém, conhecido por suas trilhas sonoras incidentais. "A música é narrativa, permite que o espectador saia e volte para história, reflita e se relacione", completa Moraes. A montagem ainda traz um elemento que não consta no texto original, uma arqueóloga que faz as conexões da trama. O diretor explica que durante os processos de ensaio foi encontrada uma cova coletiva onde se enterravam protestantes e católicos, mortos na guerra dos trinta anos. "Tratamos a guerra como mais uma de tantas que acontecem no século XX ou XXI, optamos por não datar", explica o diretor.
A partir de um convite da atriz Louise Cardoso, que queria fazer uma montagem de Brecht com o grupo Armazém, foi escolhido o texto "Mãe Coragem e seus filhos", que de acordo com Paulo Moraes é o que melhor sintetiza as teorias do alemão sem didatismos. "A teoria vira carne", completa. O diretor ressalta que Brecht sempre foi uma influência para quem fazia teatro na década de 60 e 70 e esse reencontro se dá porque o texto trata de uma discussão humana que ainda é pertinente. "O texto dá continuidade às questões de nossa companhia", completa Moraes.
Já a guerra retratada por "Esta Noite Mãe Coragem", montagem da ZAP 18, trata Brecht com menos "respeito". Enquanto o espetáculo carioca busca fazer uma nova tradução do texto, a ZAP leva Brecht para o morro. Há alguns anos, um político carioca afirmava que a solução para baixar os altos índices de violência era construir um muro entre a favela da Rocinha e o "asfalto". A montagem leva a sugestão ao pé da letra, um muro será construído, um código de barras será tatuado nos braços das pessoas para se elas se identificarem, se a pessoa estiver com alguma dívida ou com ficha na pólicia, a catraca pára. Personagens do texto clássico são transformados em similares na guerra do tráfico: além de traficantes, catadora de papel, trabalhadores da construção do muro e ainda a presença de uma missionária inspirada em "Joana dos Matadouros" também de Brecht. O espetáculo, que conta com dois atos, abre o bar e vende comidas e bebidas no seu intervalo. Depois das apresentações de sábado (28/06) e segunda (30/06), a programação se estende e o público poderá esticar a noite ouvindo o samba do "Sala de Visita".
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* Este que vos escreve é ator e integrante da ZAP 18.

Um comentário:

Elisandra Amâncio disse...

Muito legal a iniciativa de criar um blog sobre o evento. Parabéns.

 
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